Costuma haver uma grande confusão entre «matemática» e «aplicação da matemática». Há muitas pessoas que precisam de aplicar matemática nas suas profissões, que criam ferramentas para o trabalho de outros, que ensinam «aplicação da matemática», etc. e que foram levadas a pensar que «matemática» é isso. Na prática, isso não tem qualquer problema. No entanto, algumas dessas pessoas comunicam com a sociedade com o objetivo de transmitir o que é a matemática e não estão a ser rigorosos. Um exemplo recente e mais mediático é o programa de televisão «Isto é matemática!». Era mais correto que lhe chamassem, «Isto é aplicação da matemática!»
O que é então aquilo que eu chamo de matemática? Para perceber o que é matemática é preciso estudar matemática, é preciso entrar no detalhe da matemática. Qualquer comentário na tentativa de apresentar a matemática perderá valor se não for acompanhado com o verdadeiro trabalho na matemática. Um aluno que atualmente (ano 2014) termine o ensino secundário tem uma noção muito deficiente do que é matemática. Na verdade, os últimos vinte anos introduziram uma atenção especial com a aplicação da matemática no ensino secundário desviando os alunos da lógica e do raciocínio dedutivo na demonstração matemática. Deste modo muitos alunos só se preocupam em chegar ao resultado final, chegando ao ponto de pensar que uma resolução baseada na utilização da calculadora substitui uma resolução sem a calculadora. Para muitos alunos as diferenças são apenas: com a calculadora é mais rápido, dá menos trabalho e não é preciso saber tanto. A maior parte dos alunos não tem noção nenhuma da diferença entre resoluções numéricas e resoluções algébricas.
Ao terminar o ensino secundário, ainda não é tarde, para entrar na verdadeira matemática, e isto pode ou não ser importante para alunos que seguem cursos de Ciências ou Engenharia, mas é absolutamente imprescindível para alunos que seguem o curso de Matemática. Quem quer estudar matemática deve, claramente, compensar as lacunas deixadas no ensino secundário ao nível do cálculo. O facto de, no ensino secundário, não se falar da definição de limite segundo Cauchy traz aos alunos uma limitação muito grande. Essa definição tem um formalismo carregado mas, apesar disso, é fácil entrar na lógica da demonstração. O difícil para um aluno que começa a fazer demonstrações é que vê, por exemplo, dez exercícios resolvidos e parecem-lhe todos muito diferentes, não é fácil ver relação, e quando confrontado com uma nova demonstração compara com o que já viu e não lhe surge nenhuma ideia pois não encontra relação com o que já viu. Assim, começar por demonstrações bastante análogas, sistemáticas até, é uma forma de aceder ao mundo da demonstração.
O cálculo deve ser bem trabalhado antes de entrar na análise real e nas funções de várias variáveis. A álgebra linear pode começar paralelamente com o cálculo se se começar por questões práticas, o que é uma abordagem aceitável: começar pelo trabalho com matrizes e suas aplicações práticas e deixar para uma fase posterior os conceitos de espaço vetorial onde a necessidade de demonstração já exige aos alunos mais do que trazem do ensino secundário.
Só depois destes temas trabalhados se pode pensar em análise complexa, álgebra pura, topologia, lógica ou geometria diferencial.